terça-feira, julho 06, 2010

"Prezado Amigo Affonsinho" - (Por João Paulo Cunha)



"Fazer música não é pra qualquer um. Fazer música pop, então, é para muito poucos. Quando se pensa que,além de música e pop, a canção pode ter seu tantinho de arte, aí que o terreno fica limpo.E é nessa seara quase inabitada que o cantor e compositor Affonsinho tem criado uma obra que chama a atenção cada vez mais pela profusão de boas ideias e qualidade de realização. Em seis meses lançou dois discos autorais,um com banda e outro na base de voz e violão. Meu plano e Voz e viô são a mão esquerda e a direita de Affonsinho, o lado das baladas para cantar junto e o outro das músicas feitas para mostrar para os amigos e para a namorada. Nos dois campos, ele sabe o que faz. E tem mais, Affonsinho está cantando cada vez melhor,com sua voz elegantemente microfônica e afinada.

Tem muita gente que anda pregando o fim da canção. Para os teóricos (quem faz música não tem tempo de pensar nisso,ainda bem), o formato de poema musicado, cantado de forma entoativa,com temas populares e comunicação direta, tudo isso está com os dias contados. Nesse diagnóstico,a chamada canção pop seria a primeira a perder seu posto, já queéamais simples de todas as formas de música popular e já deu o que tinha que dar. Mas é preciso ir além das aparências. Fazer música fácil é dificílimo; descobrir as palavras certas para cantar emoções de todo o dia é tarefa para poetas de ouvido treinado para o afeto; colocartudo isso na melodia certa, com balanço ou melancolia, é uma arte. Além disso,é preciso ganhar a atenção em meio a tanto estímulo, com um refrão bacana,uma imagem bem posta,um canto que toca o sentimento certo.

É nessa equação que o “prezado amigo Affonsinho” tem se mostrado um craque, comoopersonagem da canção de Gilberto Gil, aperfeiçoando o imperfeito. Sua carreira é variada, sem ir no balanço da onda,mas com sensibilidade para entender o que as pessoas querem ouvir.O artista tem de ir aonde o povo está, mas também pode indicar caminhos. Depois de passar pelo pop rock, inventar bossas catitas e fazer belas leituras do repertório do Clube da Esquina,Affonsinho tem se especializado em compor temas que vão do samba às baladas, passando pelas bossas e toadas. Em seus novos discos, ele mostra que o campo está longe de se esgotar.

O músico é um guitarrista inspirado e um violonista de técnica a serviço da música. Sua guitarra, que vem do rock, aprendeu com o jeito melancólico do blues a dar uma suavizada na levada. Seu violão gago,no melhor estilo João Gilberto, é cheio de boas harmonias e jogadas de ritmo, na trilha da escola mineira da sofisticação que não perde a vontade de comunicar. Affonsinho não é tímido nem encucado, sua lírica é leve, sua melodia é quase sempre direta e seu canto não esconde o prazer. Em Meu plano, algumas canções são aula do pop de qualidade. Talvez seja por isso que o músico comece a ser cada vez mais gravado,sobretudo pelas cantoras. Elas sabem que a música tem que seduzir.

HUMOR E AMOR Se Meu plano tem um pouco do clima de Belê, com suas canções de amor e imagens poéticas singelas, com vocação para chegar bem perto do samba,passando pela esquina do jazz.O novo disco, Voz e viô, é assumidamente bossa. Affonsinho pega o violão acústico e solta temas intimistas, sambinhas alegres e até umas bobagens bem engraçadas, com,o Passaabola! e Já te falei.Música também tem seu lado de humor, como a tradiçãobrasileira já cansou de mostrar, de Lamartine Babo a Mamonas Assassinas, passando por Moreira da Silva,Rumo e Premeditando o Breque.

Mas o melhor fica mesmo para as canções de amor. Mais que isso: música para namorar. Tom Jobim e Vinicius sabiam fazer este tipo de música. A receita era falar paraamulher, como quem pede um beijo. Affonsinho parece ter sempre a mesma intenção com suas novascanções. Ele conta de histórias deamorque dão certo, outras que dão errado, e aquelas que prometem. O importante é cantar o amor.

Aletra, nesse momento,parece ter duas funções: de um lado ela narra um enredo sentimental, de outro compõe um clima,ajuda a dar ambiência a um estado de enamoramento. São músicas como Acontece que, Juntinho, Com ela, por ela. O compositor, que aprendeu cantando em bares, sabe que tem que surpreender para manter a atenção. Por isso equilibra seu Voz e viô com umas quebradas de estilo. Como no caso de Jururu blues, uma brincadeira musical que parece estar ali para dar uma pausa. Mas o melhor momento fica para O marido e a Margarida, que começa com malemolência e ritmo, emendando versos inspirados(“De vergonha fiquei flamboyant”; “sem sonhos e sonetos no coração”) para contar uma história bem-sucedida de amor que deu certo. O vento a favor contribui para que o apaixonado se torne marido,mesmo com todo o furacão da vida, ficar casado parece ser um bom destino. Affonsinho toca violão e guitarra muitobem, com bom gosto e inventividade. Mas seu melhor instrumento, no seu projeto de ser popular para fazer o ouvinte feliz,é a voz.

Cantando samba como vocalista de jazz, ele sabe dar brilho às melodias e explorar as sutilezas das palavras. Não se trata apenas de dividir bem, talento que muitos sambistas têmde sobra, mas de mergulhar no rio da melodia e nas balizas da harmonia. Quemtem voz pequena, como Affonsinho, precisafazer da afinação um elemento mais que necessário, algo como uma segunda natureza. Ele não pode errar. Mas nempor isso joga ansiedade no canto. Com dois discos em tão curto período,pode-se esperar mais do artista. Talvez seja momento de voltar às leituras (o que viria depois do Clube da Esquina?) ou, quem sabe,jogar tudo pra cima e começar tudo de novo,com sua raiz pop rock dos tempos do Hanói Hanói.

O que parece escrito é que o prezado amigo tem sempre o que dizer.E o melhor, está mandando cada vez melhor e com mais personalidade. Se segurar a facilidade extrema de inventar, que muitas vezes atrapalha, pode emendar muitas canções que, de tão boas, vão parecer que não foram compostas por ninguém e que sempre existiram para nos fazer mais alegres.Nem que dure apenas alguns minutos. Os artífices do pop sabem que uma canção pode ser uma ópera completa em três minutos,duas partes, refrão e três posições no violão. Comum corinho no fundo. Quem épop gosta de gente cantando junto"

(Por João Paulo Cunha - Editor de Cultura)
Fonte: Jornal O Estado de Minas 19/06/2010)

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