quinta-feira, junho 29, 2006

O GLOBO - Rio, 29 de junho de 2006


Na esquina musical entre Minas Gerais e o Rio
por Antônio Carlos Miguel
Não fosse a padronização (e o jabá) que domina as emissoras de rádio do Rio, as músicas de Affonsinho estariam também em alta por aqui. Sete das 12 faixas de “Belê”, novo trabalho desse cantor, compositor e guitarrista mineiro de 46 anos, tocam sem parar em Belo Horizonte, e algumas já começam a rodar em São Paulo. E no disco, lançado pela Dubas Música (distribuição da Universal), sobram exemplos da maestria no trato da canção popular de um ex-roqueiro, que, nos anos 80, fez parte do grupo Hanoi Hanoi.
Com esse passado, qual o trajeto para hoje ele chegar a lapidadas pedras pop-bossa-novistas como “Nuvem boa”, “Aquela bossa axé” (esta com letra de Ronaldo Bastos, também um dos produtores do CD), “Belê”, “Borboletou” e “Gamado pelo samba” (num dueto com Sandra de Sá)?
— Talvez a gente tenha que voltar ainda mais no tempo — responde Affonso Heliodoro dos Santos Junior, lembrando que, aos 6 anos, já era vidrado nos LPs de Nat King Cole de seu pai. — O meu canto suave vem daí. Depois descobri os Beatles, assisti umas 15 vezes a “Help”, e Lennon foi o meu primeiro herói, antes de Super-Homem e Batman.

Músico viveu entre Belo Horizonte e Rio

Na adolescência, Affonsinho mergulhou fundo no rock e no blues de Led Zeppelin e Jimi Hendrix, mas, graças a um irmão mais velho, também ouvia João Gilberto e era ligada nas letras e nas canções de Caetano, Chico, Gil e Milton.
Vivendo entre Belo Horizonte e o Rio — onde chegou aos 3 meses, voltando para a cidade natal no início da adolescência — Affonsinho teve como primeiro parceiro Chico Amaral, que, na década de 90, consagrar-se-ia como letrista e saxofonista do Skank.
— Entre os roqueiros da nossa turma em Belo Horizonte, ele era o único que também gostava de Caetano — diz. — Na época, início dos anos 80, Amaral começava a trocar a guitarra pelo sax e fizemos nossas primeiras canções.
Repertório que Affonsinho não chegou a exercitar muito. Logo viria para o Rio como guitarrista do Hanoi Hanoi, grupo do baixista Arnaldo Brandão. Em seguida, investiria no blues, fazendo até um show com Cássia Eller, para finalmente, em 1994, estrear solo com o disco “Tudo certo?” — no qual o cantor de enfoque bossa-novista começou a nascer.
— Percebi que minha voz funcionava melhor num formato suave e minhas músicas caminharam nesse sentido. A guitarra ainda tem algo de blues, mas o canto me levou de volta a Nat King Cole, que ouvi na infância — lembra ele, que, há três anos, fez em Belo Horizonte um show com repertório de standards de Cole Porter, Gershwin, Rodgers & Hart e demais cobras da grande canção americana. — Dediquei esse show a meu pai, que estava ali na platéia.
Tal mistura de rock, standards , blues e bossa nova poderia resultar numa versão musical do Monstro de Frankenstein, mas em “Belê” Affonsinho chegou à perfeição. Simbiose que começava a se delinear em seu primeiro CD na Dubas, “Zum zum”, em 2000.
— Em fins dos anos 90, recebi na Dubas um CD demo de Affonsinho e fiquei impressionado com a facilidade dele para fazer canções de qualidade e de forte apelo — comenta Ronaldo Bastos, também compositor de muitas impecáveis pérolas da MPB, em parcerias que vão de Milton Nascimento a Lulu Santos, de Tom Jobim a Ed Motta, de Lô Borges a Celso Fonseca. — E depois de “Zum zum”, ele não parava de mandar novas músicas.

Pós-graduação com obrado Clube da Esquina

Mas, antes de investir em novo disco autoral, Bastos resolveu apostar no intérprete, produzindo os dois volumes de “Esquina de Minas” — os CDs “O som do barzinho. E do Affonsinho” (2002) e “Dois lados da mesma viagem” (2003) — nos quais, em tratamento acústico, Affonsinho mergulhava no rico repertório da geração do Clube da Esquina.
— Esses discos funcionaram como um curso de pós-graduação em composição — diz Affonsinho, que, sem parar de produzir durante esse tempo, contou com Bastos e o co-produtor Leonel Pereda na peneira do repertório agora mostrado em “Belê”.
Na gravação, Affonsinho contou com craques como Alberto Continentino (baixo), Marcelo Costa (bateria), Jorjão Barreto (piano e Fender Rhodes), Sacha Ambak (teclados), Jessé Sadoc (flugelhorn) e Gauguin (violão, este um fiel escudeiro em sua carreira solo). São oito composições dele e ainda achados que vão de um clássico da canção italiana (“Senza fine”, de Gino Paoli) a uma bossa nova do brasileiro, radicado na Espanha, Leo Minax, com letra em português de Jorge Drexler (“Causa e efeito”). Mais que suficiente para fazer de “Belê” um clássico instantâneo da bossa pop. Só falta as rádios cariocas descobrirem essas belezas.

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